A desregulação é um tema comum do ciberjornalismo atual no mundo e tamanha é sua importância que será alvo de discussão no 6º Congresso de Ciberjornalismo sobre as novas ameaças.
Sua definição por si é a falta de interferência estatal através de leis que ditam as regras do ciberjornalismo, das mídias e da internet – que parece mesmo um ambiente inesgotável e sem leis – na tentativa de democratizar o setor dos meios de comunicação e garantir os direitos constitucionais dos cidadãos no ambiente online. Questiona-se até em que ponto pode-se medir a interferência dos governos na internet e na mídia para não acontecer situações como censura ou governos reféns do setor privado.
Para entender os dois lados da moeda vamos começar analisando o sistema brasileiro. No Brasil, existe uma lei, a Lei a Imprensa que foi impedida de ser sancionada pelo Superior Tribunal Federal por no entendimento dos ministros, infringir os conceitos de liberdade de expressão.
Para o procurador dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, a interpretação dada à Lei de Imprensa pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, coloca em xeque outros direitos constitucionais. O procurador lembrou que, no Brasil, a desregulação é tão profunda que, no âmbito da internet, por exemplo, nem o direito de resposta pode ser garantido, o que deixa os cidadãos à mercê de campanhas difamatórias que desconstroem até as biografias mais robustas, sem que a vítima tenha meios para se defender.
Para o procurador, o problema é superdimensionado nas redes sociais, em uma internet que, sem regulação de nenhuma espécie, favorece a transmissão de discursos de ódio, boatos e notícias falsas sem que os responsáveis tenham que pagar por seus erros. “Se temos um olhar que desumaniza o outro, seremos porta-vozes do discurso de ódio”, esclarece.
Ao contrário do procurador, o atual ministro da Cultura do Brasil, Sérgio Sá Leitão, entende que qualquer tentativa de controle governamental seria nociva ao princípio das liberdades de expressão e imprensa, considerando que no Brasil os governos não tem o dever alterar o já regulado o mercado das mídias e nem a internet. Jornalista de formação considera-se um liberal e afirma que o único envolvimento do governo com a mídia e o audiovisual deve ser no sentido de apoiar e financiar setores através da Lei Rouanet – lei de captação de recursos para fins artísticos e projetos de mídia que considera projeto bem-sucedido.
O presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Daniel Slaviero, afirma que, apesar da demora para regulamentação destes artigos, a mídia já é regulada. “Quando fala-se em regulação parece que a mídia não é regulada. Isso é um erro, porque temos mais de 650 normas -portarias, decretos ou leis- que regulamentam o setor de comunicação social, não só rádio e TV como impresso.”
O presidente da Abert, diz que ainda não é possível discutir o significado da regulação econômica, porque o governo não apresentou a proposta. Mas ele é contrário à regulação de conteúdo. “Quando se fala em regulação da mídia no sentido de acompanhar, fiscalizar, o conteúdo das emissoras, controle social da mídia, é óbvio que isso tem um viés de interferência no conteúdo, e conteúdo não pode sofrer intervenção. A mídia pode ser responzabilizada pelos eventuais excessos: tem Código Civil, Penal, etc. Mas acho que qualquer iniciativa que, mesmo de forma indireta, interfira no funcionamento é uma interferência indevida.”
O presidente do PT, Rui Falcão, afirma que o partido nunca defendeu e não defende a censura. “Quando a ideia de um conselho – mecanismo usado inclusive em vários países desenvolvidos – foi apresentada pelo governo, ela foi imediatamente demonizada pela mídia monopolizada e sequer foi debatida. Minha posição é de que o tema precisa ser discutido democraticamente, porque o Brasil não pode continuar refém de grupos de interesses.”
Não há um projeto único definido no Brasil sobre como regular a mídia e a internet. O único movimento no sentido de regular foi dado pelo Partido dos Trabalhadores quando a ex-presidente Dilma Rousseff sinalizou esse como um tema importante para seu segundo mandato – que acabou por ser interrompido pelo impeachment.
Na verdade qualquer tipo de ação na internet é passível de responsabilidade civil e criminal. Ao mesmo tempo em que o ódio pode se proliferar através da internet, o seu combate faz-se o mesmo. A regulação já existe, não em forma de lei para alterar o funcionamento e sim de respaldo cível e criminal para responsibilizar qualquer tipo de ação que infrinja leis comuns da constituição brasileira. Para muitos, regular a internet e a mídia é nada mais que uma tentativa de controlar as informações e transformar o controle privado em controle público.
Exemplos de que a regulação pode ser nociva aconteceu na Venezuela. Em 2007, a regulação da mídia começou quando o governo Chávez não concedeu a renovação da concessão ao canal RCTV. Para os críticos, a não renovação foi um movimento de retaliação política – o RCTV foi um dos canais mais críticos e opositores ao governo Chávez. Outro aspecto controvertido é o que passou a proibir transmissão de eventos ao vivo que possam incitar a violência e a desordem pública. “Analisar o que pode ou não incitar a violência é muito difícil em um país onde há uma confrontação entre dois modelos políticos e onde os meios estavam organizados em dois grupos, pró e antigoverno”, afirmou à BBC Brasil Mariclein Stelling, do Observatório Global de Meios de Comunicação.
Em 2010, a lei foi reformada e seu alcance passou a abranger também a internet. Um dos pontos polêmicos é a punição prevista para o provedor de internet ou página que não restrinja “sem demora” o acesso a mensagens que incitem o ódio. “É uma lei regressiva e contraria o direito à liberdade de expressão”, avalia Marianela Balbi, diretora do IPYS (Instituto Prensa y Sociedad). Na sua opinião, a lei é desnecessária. “Há crimes tipificados no Código Penal e em outros regulamentos que podem ser aplicados sem restringir a liberdade de expressão.”
Controles da mídia e principalmente da internet colocam em xeque a real democracia e principalmente a liberdade de expressão dos meios de comunicação e dos indivíduos. Por isso, até que ponto chegaremos? Qual o limite da interferência estatal? Existe um limite? Esse foi um dos temas propostos para ser discutido no 6º Congresso de Ciberjornalismo que acontecerá na Faculdade de Letras da Universidade do Porto nos dias 22 e 23 de novembro. Para mais informações e inscrição: https://cobciber6.wordpress.com/
Por Tito Lívio Ferreira Monteiro.