A expansão da Internet trazia consigo a promessa de oportunidades ilimitadas para o jornalismo. Mas a realidade ficou aquém do esperado e o fascínio inicial desapareceu. Deadlines apertados, excesso de trabalho, redução de custos e cortes nas redações – é este o cenário atual do jornalismo em rede. Como é que a realidade destruiu a utopia? E que modelos estão a ser adotados para contrariar esta tendência?
O êxtase tecnológico que pautou a década de 90 fez os académicos antever a criação de um jornalismo contextualizado, instantâneo e conversacional. A Web passaria a encerrar um conjunto de novas potencialidades, entre as quais a interatividade, a personalização e a gestão por parte do leitor. Tais características estariam ao serviço do ciberjornalista no processo de criação das suas histórias (ou storytelling).
Num período de quebras na faturação dos media impressos, acreditou-se no poder transformador das tecnologias digitais. A transição para a Nova Economia redobrou essa esperança. A expressão, primeiro utilizada por Michael J. Mandel no seu artigo de 1996 para a revista BusinessWeek, atingiu um acentuado nível de popularidade com a ocorrência da “bolha” da Internet ou das empresas dot-com. Essa época ficou caracterizada por uma forte valorização das empresas ligadas às novas tecnologias da informação e comunicação.
Em Portugal, assistiu-se a uma migração massiva dos jornalistas para a Internet: as edições online dos meios tradicionais registaram uma intensa atividade e começaram a surgir as primeiras publicações online-only (entretanto, já extintas).
O plano internacional era favorável a altas taxas de crescimento e a uma grande especulação económica. Estava instalado um clima de otimismo exacerbado – e de investimentos que sairiam defraudados.
O choque com a realidade
Com o rebentamento da Bolha da Internet, em plena viragem do milénio, deu-se o verdadeiro embate. Em 2001, muitas empresas dot-com estavam já em processo de venda, encerramento ou fusão. Para trás ficou o boom dos anos 90 e os milhões de dólares aplicados. O rebentamento também se fez sentir no panorama português, com o encerramento de inúmeros cibermeios e o corte abrupto no número de efetivos. O ciberjornalismo nacional passou, então, por uma longa fase de paralisação, marcada pela existência de redações diminutas e a falta de apoio num setor com cada vez mais limitações.
Estes constrangimentos, agravados pela recessão económica de 2008, traduziram-se num aumento exponencial da carga de trabalho que, por sua vez, resvalou numa inércia e sedentarismo forçados. Prescindiu-se da narrativa hipertextual e multimédia, ao mesmo tempo que se optou pela adaptação de material já publicado por outro meio e se aderiu a outras rotinas menos exigentes. A publicação de notícias breves e sem contextualização passou a ser algo constante, dado o deadline cada vez mais reduzido. E a conjuntura desfavorável continuou, com a degeneração das condições de trabalho dos ciberjornalistas, a exigência constante por múltiplas competências e a escassez de fontes próprias na produção dos conteúdos.
Quais as soluções?
Mesmo decorridos vários anos desde os primeiros sinais de desinvestimento no ciberjornalismo, não se descobriu ainda o método perfeito para a resolução eficaz deste problema. No entanto, têm vindo a ser desenvolvidos modelos de negócio que procuram financiar os projetos online e garantir a sustentabilidade dos media enquanto estruturas empresariais.
O Freemium designa a estratégia adotada por plataformas online como o Flickr, o LinkedIn e o Skype. Consiste em facultar um serviço básico ao público, colocando a maioria do trabalho à sua disposição de forma gratuita. Numa segunda fase, apresenta um outro catálogo de serviços, que tem de de ser pago para poder ser usufruído.
Já os micro-pagamentos procuram valorizar os conteúdos de forma individual, uma vez que possibilitam a compra da “unidade” informativa mediante o pagamento de pequenas quantias. Apesar de não se assumirem como um modelo eficiente do ponto de vista técnico, são por vezes utilizados com dinamismo na divulgação de temáticas especiais.
O paywall, por seu lado, assenta no conceito de “subscrições” e propõe a restrição de conteúdos para assinantes. É usado, por exemplo, pelo The Wall Street Journal e pelo The New York Times. Este modelo de negócio pode ser mais flexível ou taxativo, conforme as circunstâncias do mercado ao qual se tem de adaptar.
No caso do crowdfunding, é a audiência a financiadora do projeto (e não apenas o consumidor final). É um meio de levar a cabo projetos específicos, por vezes da autoria de jornalistas freelancers. Dirige-se a uma variante do mercado muito concreta e, por isso, de difícil apoio pelos meios tradicionais.
Com o modelo 360º, verifica-se uma multiplicidade de combinações possíveis. Resulta da fusão de todos os outros modelos de negócio e aposta na procura de novas soluções.
A necessidade de discutir outros fatores
Falar em crise no ciberjornalismo implica também abordar um outro conjunto de fatores que influi no processo de compreensão do problema: a identidade das empresas jornalísticas, a formação profissional e o papel da inovação dos conteúdos para a manutenção da lucratividade.
Recorde-se que o desinvestimento é um dos fenómenos que ameaça o jornalismo online. Este e outros temas vão ser debatidos no VI Congresso Internacional de Ciberjornalismo, o encontro bianual que a Faculdade de Letras da Universidade do Porto volta a acolher entre os dias 22 e 23 de novembro.
João Couraceiro (up201704800)